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Resenha psicanalítica sobre o Pequeno Nicolau

Resenha psicanalítica sobre O Pequeno Nicolau

O Pequeno Nicolau retrata a infância de um pequeno garoto nos anos 50, na França. Filho único, vivendo uma infância plena, Nicolau deseja para sempre ser criança. Sua rotina é ir à escola, estudar, brincar no intervalo das aulas e voltar para a casa.

Até que, num belo dia, cisma que irá ganhar um irmãozinho! Contrariado, decide juntos dos seus amigos, evitar “ser abandonado” por seus pais e garantir o seu lugar de filho único na família. Para isso, leva a cabo seus planos mirabolantes que o fazem viver uma grande aventura.

A história começa, basicamente, na sala de aula com a professora de Nicolau dando um tema para uma redação: “O que você quer ser quando crescer?”. Todos os seus colegas começam, imediatamente, a tarefa, exceto Nicolau. Nicolau passa a narrar o que cada um dos seus amigos desejam ser quando crescer: Eudes quer ser bandido, Rufus quer ser policial, Clotário quer ser um ciclista campeão, Alceu – seu melhor amigo- quer ser ministro, Geoffrey quer trabalhar com o pai, e Agnaldo –o mais inteligente da turma-, ninguém suspeita o que vai ser. Nicolau começa, então, a refletir sobre os seus próprios pais. Segundo ele, seu pai, se não tivesse se casado com a sua mãe, teria sido campeão de natação, futebol e ciclismo. Já a sua mãe, em sua visão, sempre quis ser mãe. E é justamente daí que Nicolau chega a uma sincera conclusão: “Eu não sei o que quero ser quando crescer, porque a minha vida é legal e eu não quero que ela mude”.

Um belo dia seu amigo Joachim chega atrasado para a aula e com um semblante arrasado. O diretor já logo escancara para a sala toda que ele ganhou um irmãozinho! No intervalo, compartilha a novidade com os colegas: “Ganhei um irmão”. Seus amigos não entendem o porquê de ele não estar contente com a situação, e ao narrar suas expectativas sobre a chegada do mais novo membro da família, fica nítido seu ciúme em relação aos seus pais, e também a sensação de que o “bebê pode tudo” e ele não. Seus colegas já logo demonstram compreensão e apoio.

Mais tarde, Joachim e Nicolau voltam a pé da escola para as suas casas e Nicolau começa a perguntar ao amigo se ele desconfiava de que sua mãe estava grávida. Joachim conta que o seu pai “estava muito bonzinho com a sua mãe”, “não a deixava segurar as sacolas do mercado e colocava o lixo para fora!”. Nicolau passa a refletir que os seus pais brigam bastante – principalmente por conta do emprego do pai-, mas que no final, tudo acaba bem ou, pelo menos, quase sempre.
O filme mostra toda a doce rotina de Nicolau, até que um dia ele começa a desconfiar de que terá um irmão, pois em sua casa tudo passa a acontecer exatamente como o seu amigo Joachim lhe contou: seu pai se mostra mais afetuoso para com a sua mãe, e chega até a colocar o lixo para fora. A partir dessa sua fantasia, todas as suas atitudes começam a girar em torno disso.

Na sala de aula, a professora e os colegas debatem sobre a história do “Pequeno Polegar” – vendido pelos pais a dois forasteiros no meio de um bosque. No exame médico da escola, na parte em que o médico lhe mostra um desenho abstrato e pede para ele lhe falar o que vê, Nicolau já enxerga “uma semente, que vira um bebê, que depois cresce, vira um bebê gigante e come o menino!”. No mesmo dia, assim que Nicolau chega em casa, escuta uma conversa de seus pais a respeito do jantar para o senhor e a senhora Moucheboume e interpreta tudo errado. Sua mãe pergunta para o marido se o Nicolau ficaria com eles (na noite do jantar) e ele responde que “não, pois ele faz muita bagunça”. Para Nicolau, essa foi a maior comprovação de que realmente iria ganhar um irmão e ser abandonado pelos seus pais. Minutos depois, no almoço, seu pai comenta de irem os três passear no bosque na próxima semana. No mesmo instante, Nicolau se lembra da história do pequeno polegar e vê o seu pai como um monstro!
Nicolau decide, então, com a ajuda dos seus amigos começar a agradar os seus pais! Apesar de toda a confusão na floricultura com os seus amigos, consegue comprar uma rosa para a sua mãe e chega a vestir uma roupa que detesta – mas que sua mãe ama- para ir a uma reunião das amigas de sua mãe.
No dia do passeio para o bosque, Nicolau estava apreensivo. Ao chegar lá, seus pais descem do carro, mas Nicolau – numa tentativa de não ser “abandonado” – não desce e trava todas as portas para que ninguém conseguisse tirá-lo de lá. Em suma, seus pais tiveram que empurrar o carro de volta até em casa, e acabaram chamando um médico para verificar se o menino estava bem de saúde, pois segundo o pai “eu nunca fiz isso quando criança!”. Só restou ao Nicolau chorar sozinho em seu quarto.
Mas Nicolau ainda não desiste de “reconquistar” seus pais e bola um plano junto com os seus amigos! Enquanto seus pais saem para a sua mãe aprender a dirigir, Nicolau e seus amigos “limpam” toda a casa. A casa vira uma verdadeira miscelânea! Decepcionado e frustrado, Nicolau decide fugir de casa, mas ao se assustar com a presença de um gato na calada da noite, já logo volta para a casa.
Nicolau surge, então, com uma nova ideia! Começa a planejar com os seus amigos o sumiço do bebê. Cautelosamente, considera que fazer o sumiço com as próprias mãos é algo perigoso e, desse modo, Nicolau e seus amigos decidem contratar um gânsgter. Encontram no jornal um anúncio de um gânsgter procurado, trata-se de Francis Caolho. Procuram esse nome numa lista telefônica e o encontram, mas trata-se de outro Francis Caolho: um mecânico.
Nicolau efetua a ligação, e diz que “precisa de um serviço”. O mecânico, pensando se tratar de um carro, diz que custa 500 francos! Nicolau desliga rapidamente e comunica aos amigos que irão precisar juntar todo esse valor. Geoffrey, seu amigo rico, traz uma roleta para a escola no dia seguinte a fim de angariar recursos, mas o inspetor do colégio já logo confisca o objeto. Nicolau e seus amigos, então, planejam pegar de voltar à roleta. Saem exitosos, mas ao perceberem que o jogo de roleta também pode trazer prejuízos, desistem da ideia.
Inspirados nos quadrinhos de Asterix e Obelix, Nicolau e seus amigos criam uma porção mágica que promete às crianças de idade semelhante ficarem “fortes como um touro”. Obviamente que se trata de uma tramoia, pois o teste para a comprovação da força, logo após a ingestão da bebida, consiste em tombar uma Kombi – carregada de peso de um lado só, pronta para ser virada! Fato é que o plano funciona, e com uma fila enorme de candidatos para tomar a famosa porção, conseguem angariar todo o dinheiro necessário.
Nicolau volta a ligar para Francis Caolho, que o pergunta “Onde está o carro?”. Nicolau desliga o telefone desapontado e comunica aos amigos que “agora ele quer um carro!”.
A saga continua, e com a ajuda de seus amigos, conseguem “roubar” o carro do mordomo de Geoffrey. Mas eis que, assim que conseguem parar o carro, e discar para o Francis Caolho, aparece Joachim – o amigo que havia ganhado um irmãozinho-, feliz da vida e todo zeloso com o seu irmão no carrinho de bebê.
No mesmo instante, Nicolau se sente culpado por ter cogitado sumir com o seu irmão. Volta correndo para a sua casa para agradecer aos seus pais pelo irmãozinho que está a caminho! E, sem entender muito bem o que está se passando, seus pais falam que não há bebê algum! Nicolau se decepciona.
Mas, quando menos se espera, chega, de fato, a notícia de que sua mãe está grávida! Nicolau passa a esperar ansiosamente, a questionar todos os dias para a sua mãe se o bebê “chega hoje”.
Já na maternidade, Nicolau recebe outra notícia impactante: é uma menina! Toda sua expectativa de ensinar e brincar com o seu irmãozinho mais novo vai por água baixo! Já de volta em sua casa, repleta de amigos dos seus pais que foram visitar o novo membro da família, Nicolau começa a “desdenhar” de um modo genuinamente infantil a aparência de sua irmãzinha. Todos os adultos começam a rir sem parar e Nicolau, por fim, acaba se lembrando do tema de sua redação – “O que você quer ser quando crescer?”- e ele, então, responde a si mesmo que quando crescer deseja fazer todo mundo rir!

CRÍTICA
Para a psicanálise, nossas emoções possuem uma sequência esquematizada, fluindo da seguinte maneira: desejo, frustração, ódio, destruição, culpa e, por fim, necessidade de autopunição e/ou necessidade de reparação. A partir do momento em que Nicolau fantasia a chegada de um irmão, suas atitudes seguem exatamente essa cadeia emocional. De acordo com Freud, o desejo é a realização de um anseio ou voto inconsciente. E somente um desejo é capaz de impulsionar a trabalhar nosso aparato anímico. Existem desejos materiais, que correspondem a querer alguma coisa ou determinada situação, e existem desejos emocionais, que significa querer uma pessoa para si. No caso do Nicolau, é possível observar um desejo emocional em relação aos seus pais, um desejo de se manter filho único, e também de não ser “abandonado” com a chegada do seu irmão. As crianças possuem, de modo geral, um desejo de exclusividade, posse, egoísmo e satisfação.

(…) Contudo, o que a criança não perdoa ao indesejado intruso e rival não é apenas a amamentação, mas sim todos os outros sinais de cuidado materno. Sente que foi destronada, espoliada, prejudicada em seus direitos; nutre um ódio ciumento em relação ao novo bebê e desenvolve ressentimento contra a mãe infiel, o que muitas vezes se expressa em desagradável mudança na conduta. Torna-se ‘arteira’, talvez irritável e desobediente, e sofre um retrocesso nos progressos que havia feito quanto ao controle das excreções. Tudo isso tem sido conhecido há muito tempo e aceito como evidente por si mesmo; mas raramente formamos uma ideia correta da força desses impulsos ciumentos, na tenacidade com que persistem e da magnitude de sua influência no desenvolvimento ulterior. Especialmente porque esse ciúme recebe constantemente novos reforços nos anos seguintes da infância, e todo o abalo se repete com o nascimento de cada novo irmão ou irmã. Ademais não faz muita diferença se acontece a criança continuar sendo a preferida de sua mãe. As exigências de amor de uma criança são ilimitadas; exigem exclusividade e não toleram partilha (FREUD, 1996 [1932-1933], p.131-132).

Para realizarmos nossos desejos, precisamos chamar a atenção! E com Nicolau, não foi diferente. Nicolau buscou agradar sua mãe dando a ela uma rosa, vestindo uma roupa que ele detesta e até mesmo tentando limpar a casa com a ajuda dos amigos. Mas, Nicolau passa a se sentir frustrado por não estar conseguindo reverter o jogo. Por essa razão, chora na cama após a visita do médico e fica triste por ter desapontado seus pais com a sua “faxina”. E então, diz que “percebeu que não iria convencer os dois a ficarem com ele e por isso, pegou suas coisas e foi embora”. Esse desejo de fugir de casa pode ser entendido como o início do seu ódio. Afinal, no dia seguinte, diz ter pensado melhor e comunica aos amigos que “ele chegou lá primeiro, então, quando o bebê nascer, eles irão se livrar dele”. Mas o ódio em si, não é sempre ruim. Quando modulado, é possível substituir sua orientação destrutiva por ideias de regulação social. É um afeto fundamental para os processos de separação. Sem ele, o sofrimento pode nunca ter fim! Contudo, é inegável que o fruto do ódio de Nicolau é a destruição, pois existe um desejo de querer sumir com o seu irmão-, e também uma auto destruição – sutil-, mas que pouco a pouco, demanda toda a sua atenção e energia, sendo um desgaste muito grande para uma criança. Quando seu amigo Joachim aparece feliz da vida com o seu irmãozinho, Nicolau se sente, imediatamente, culpado! O sentimento de culpa vem pela compreensão do seu egoísmo e de sua destrutividade. A culpa expressa uma tensão entre o ego e o superego. Com isso, Nicolau sente a necessidade de reparação: saí correndo para a casa, a fim de agradecer os seus pais pelo irmãozinho que está a caminho. Ou seja, busca a reparação ficando bem com a sua família e aceitando o seu irmão. Quando sua mãe realmente engravida, conta os dias de tanta ansiedade para a sua chegada e sonha ensinar a ele suas brincadeiras.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SIGMUND, Freud. Novas Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise e outros trabalhos (1932-1936). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira/ 24 vs. Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey: em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. – Rio de Janeiro: Imago, 1996. 293 páginas.

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